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"A Santa Casa da Misericórdia de Vila Viçosa terá sido constituída nos alvores do século XVI. Apesar de não existirem provas inequívocas, sabe-se que em 1510 esta instituição já estaria em funcionamento."
Foi no final do século XV, que a Rainha D. Leonor, viúva de D. João II, motivada por um profundo sentimento de amor ao próximo, criou uma instituição que marcou e continua a marcar de forma muito significativa a sociedade portuguesa. A fundação da primeira delas, em Lisboa, no já longínquo ano de 1498, originou a proliferação de muitas outras por toda a terra portuguesa, do Minho ao Algarve, e por todos os territórios ultramarinos, empenhando-se a bondosa rainha na tarefa cristã e humanitária de fazer cumprir as catorze obras da misericórdia, com a ajuda do seu confessor Frei Miguel de Contreiras, um frade de origem espanhola.
Nos grandes centros urbanos, como Lisboa, o desenvolvimento da expansão marítima, da atividade portuária e comercial favorecia o afluxo de gente na vã procura de trabalho ou de enriquecimento.
As condições de vida degradavam-se e as ruas transformavam-se em antros de promiscuidade e doença, por onde passava toda a sorte de desgraçados, pedintes e enjeitados.
Os naufrágios e as batalhas também originavam grande número de viúvas e órfãos e a situação dos encarcerados nas prisões do Reino era aflitiva. A Irmandade, constituída primitivamente por cem irmãos, atuava junto dos pobres, presos, doentes, e apoiava os chamados "envergonhados" (pessoas decaídas na pobreza, por desgraça).
A todos os necessitados socorria dando pousada, roupas, alimentos, medicamentos ou mezinhas. Mas a Irmandade também promovia uma importante intervenção a nível religioso, presente nas orações e na celebração de missas e procissões, nas cerimónias dos enterros, no acompanhamento de condenados à morte ou na promoção da penitência. Desta forma, os Irmãos anunciavam o Evangelho com palavras mas também com obras concretas, testemunhadas através de atitudes cristãs.
A partir da criação da Misericórdia em Lisboa e logo a partir de 1498, surgem disseminadas por todo o país várias outras instituições ao sul do Tejo: Cabeço de Vide, Portel, Vidigueira, Albufeira e Tavira. No ano seguinte assinalam-se mais quatro: Porto, Évora, Montemor-o-Novo e Lagos. O movimento instituidor prossegue no decurso de todo o século XVI. Existiam por todo o país hospitais e albergarias que tinham como desígnio o apoio assistencial a doentes e enfermos, em termos físicos e espirituais. A partir da instituição das Misericórdias, tais confrarias e irmandades definidas e dispersas passaram a reverter ou a converter-se, por fusão regiamente determinada, nas Santas Casas da Misericórdia.
A Santa Casa da Misericórdia de Vila Viçosa terá sido constituída nos alvores do século XVI. Apesar de não existirem provas inequívocas, sabe-se que em 1510 esta instituição já estaria em funcionamento. Nem sempre é fácil esclarecer rigorosamente o desenvolvimento e a multiplicação das Misericórdias nas primeiras décadas de Quinhentos. A maior parte das propostas sobre esta temática segue geralmente as cronologias propostas por Costa Godolphim, depois de atualizadas durante as comemorações do nascimento de D. Leonor.
As propostas apresentadas nesse período a partir de um inquérito enviado às confrarias não apresentam, em termos gerais, quaisquer provas documentais objetivas e rigorosas. Falta de documentação por perdas irremediáveis ocorridas ao longo dos tempos por causas diferenciadas originaram, em muitas circunstâncias, a possibilidade de determinar com exatidão e rigor histórico os momentos de criação de muitas destas instituições em Portugal.
Contudo, a data de 1516 confirma a sua legitimidade, graças ao documento de compromisso enviado pela Santa Casa de Lisboa. Sob a proteção do quarto Duque de Bragança, D. Jaime, a administração da Misericórdia detinha a tutela do Hospital do Espírito Santo e possuía instalações próprias. Um dado que parece claro tem a ver com o facto de se verificar uma ligação muito próxima entre a Casa de Bragança e a Misericórdia de Vila Viçosa. Imediatamente após a sua criação, a Santa Casa de Vila Viçosa iniciou um processo de crescimento que sedimentou a sua implantação no contexto local.
O processo que se desenvolveu durante o século XVI e primeiras décadas do século XVII assumiu duas vertentes distintas: uma ligada à dinâmica interna da própria instituição e outra desenvolvida a partir da vontade da Casa de Bragança, resultante de uma confluência de interesses entre as necessidades da Santa Casa e as vantagens que a Sereníssima Casa de Bragança retirava da sua influência na Misericórdia. Em 1518, a Santa Casa iniciou o seu processo de crescimento por iniciativa própria, embora seja um dado adquirido que este desenvolvimento foi efetuado em estreita conexão com os Duques de Bragança. Procurando alargar o espaço em que se encontravam, os irmãos da Santa Casa deram início à aquisição de casas na Rua do Espírito Santo, local onde se situava o hospital e onde a confraria estava instalada.
Nos anos seguintes, dando prossecução ao projeto de aumentar as suas instalações, trocaram propriedades que possuíam fora da vila por casas que confrontavam com as suas, situadas em ruas contíguas ao hospital. Deste modo, o espaço territorial da confraria foi aumentando, quer através da sua iniciativa, quer através dos contributos dos seus benfeitores.
Os Duques surgem como os fundadores, primeiros provedores e principais mecenas . A Santa Casa da Misericórdia passou a ser a confraria de eleição, tendo sido convertida numa extensão da Casa Ducal no universo de índole caritativa. Os Duques e os funcionários da Casa Ducal ditavam as regras e a forma de gestão desta instituição. Os pagamentos efetuados constituíam uma justificação por parte da Casa de Bragança para interferir nos assuntos internos desta confraria.
Além de assumir o primeiro lugar nas fontes de rendimento da confraria, esteve sempre associada à disponibilidade de liquidez. Esta situação ter-se-á mantido até 1640, altura em que o oitavo Duque D. João II assume as funções de chefe de Estado. Com o falecimento do Rei Restaurador, esta situação de dependência financeira contínua sofre algumas vicissitudes e verificam-se alguns atrasos significativos no que concerne ao envio de pagamentos. Existiam no entanto outras fontes de rendimento. Neste lote incluíam-se produtos e bens como o centeio, a cevada, trigo, vinho, azeite, azeitonas, farelo, carne de carneiro, peles, lã, galinhas, queijos, suínos, favas, salsa e lenha.
A outra fonte de rendimentos mais significativa provinha dos foros, rendas e laudémios que a Santa Casa cobrava. Os bens patrimoniais da confraria, provenientes de legados, eram arrendados e constituíam mais uma base de financiamento importante. Os bens patrimoniais da confraria, provenientes de legados, eram arrendados e constituíam uma base de financiamento importante.
A relação dos seus bens demonstra o peso da propriedade fundiária quando comparada com a posse de imóveis situados no núcleo urbano, alguns deles alugados a particulares e a conventos locais. A propriedade fundiária era constituída por várias propriedades, situadas numa área geográfica que ultrapassava os limites do concelho e que ia dos arredores de Vila Viçosa a algumas aldeias próximas de Estremoz, Elvas, Redondo, Juromenha, Monforte e Fronteira. Como estavam arrendadas, era destas explorações agrícolas que a Santa Casa obtinha a maior parte dos cereais que utilizava nos seus gastos quotidianos.
O vínculo que a Casa Ducal manteve com a Misericórdia foi estruturante, definiu os caminhos de atuação da Santa Casa, rasgou-lhe as linhas de intervenção e dotou-a de uma importante fonte de rendimentos. Conferiu-lhe sobretudo um enorme capital simbólico e permitiu que a Santa Casa fosse dotada de esmolas, património, regras, conselhos, prestígio e capital social.
Integrada de forma exemplar na comunidade local e defendendo corajosamente os valores e os princípios que estiveram na sua génese, a Santa Casa da Misericórdia de Vila Viçosa continua a assumir um papel determinante no contexto calipolense, que se manifesta nas mais variadas vertentes, sobretudo a nível assistencial e caritativo.
Em termos culturais, a vitalidade desta secular Instituição ficou bem demonstrada nos eventos comemorativos dos seus 500 anos de história, comemorados em 2010, através de um conjunto de conferências de reputados especialistas nesta área, facto que permitiu uma leitura muito objetivo do papel e evolução da Santa Casa da Misericórdia ao longo destes 5 séculos em Vila Viçosa.
Dr. Tiago Salgueiro
BIBLIOGRAFIA
ARAÚJO, Maria Marta Lobo de – Dar aos pobres e emprestar a Deus: as Misericórdias de Vila Viçosa e de Ponte de Lima (séculos XVI-XVIII), Santa Casa da Misericórdia de Vila Viçosa e de Ponte de Lima, 2000.
GODOLPHIM, Costa – As Misericórdias – Lisboa, Imprensa Nacional, 1897.
PESTANA, Manuel Inácio – Arquivos Históricos Municipais : I Arquivo das Câmara Municipal;, Arquivo da Santa Casa da Misericórdia. – Vila Viçosa : Edição da Câmara Municipal, 1990.